quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

DE "EDUCAÇÃO PARA A RESPONSABILIZAÇÃO INDIVIDUAL PARA EDUCAÇÃO E CONSCIÊNCIA DE CLASSE"

RESENHA: DE "EDUCAÇÃO PARA A RESPONSABILIZAÇÃO INDIVIDUAL PARA EDUCAÇÃO E CONSCIÊNCIA DE CLASSE".
Resenha do último artigo do livro "Educação e luta de classe". 1a ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008. 144p, cuja autora é Angela Maria Hidalgo.Resenhado por Raimundo Flor Monteiro, em 02/12/2019, Mestre em Educação, formado pela UFMA - Universidade Federal do Maranhão.
O assunto é tratado sob a perspectiva crítico-progressista. A autora inicia o artigo afirmando que no conceito de "educação permanente" enquanto prerrogativa proposta pela UNESCO, afirma-se o pressuposto de que educação e consciência das responsabilidades individuais pode resolver todos os problemas sociais. Autora enfatiza que "educação permanente", exponencialmente difundida, atribui "poderes desmedidos a educação" ao mesmo tempo que esvazia os processos educativos e a própria educação formal. Desse modo, a autora afirma que a educação formal perde sua especificidade frente a ações sociais de caráter educativo.
O fato para ela, a autora, acontece dado que os teóricos da ONU aproximam a educação formal da educação informal, através de alteração no conteúdo da primeira, incluindo autoestima, heterogeneidades sociocultural, o entorno social da escola e a busca de aliados para a superação do atual insucesso escolar. A autora reconhece o potencial das práticas educativas para as transformações sociais, porém ressalta que não é a unica. Afirma que as exigências sobrecarregam a escola fazendo-a perder sua especificidade. A autora chama de "falácia" a ideia de que a educação é eficiente em resolver todos os problemas sociais, em especial, se tiver a participação de todos os setores da sociedade, uma condição que somente a educação concatenada com outras dimensões sociais pode resolver.
A autora defende o investimento público maciço pelo Estado em educação e demais campos do social. Reafirma que no momento histórico de restruturação do capital, o financiamento estatal priorizam a expansão econômica em detrimento do social. Assim, o Banco Mundial e a Unesco, hoje, orientam para a captação de investimentos que subsidiam a transferência das responsabilidades da educação para a esfera da sociedade civil. A autora cita um Caderno da Unesco Brasil em que o autor demonstra o "círculo perverso" da pobreza e defende a articulação das políticas econômicas e social, para que haja crescimento econômico e consequente redução das tensões sociais.
Deduz a autora que o "investimento no capital social" é necessário, para estabelecer o clima de confiança dos sujeitos, motivar o interesse nas questões coletivas e despertar a consciência cívica, bem como a promoção de políticas sociais e a minimização das desigualdades e da pobreza, bem como a emersão de um novo Estado. Este, o Estado liberal, estaria responsável apenas pela "gestão das políticas "na linha da "gerência social" e "gerencia interorganizacional", em que cada setor da sociedade assume responsabilidades, incluindo ONGs, igrejas, universidades, empresas, sindicatos e voluntariado. Enfim, minimizado a ação e a responsabilidade institucional do Estado.
A partir da página 130 a autora passa a enumerar os parâmetros utilizados de "intervenção societal " pelo Estado na execução do novo papel neoliberal:
a) Esvaziamento da função educativa da escola, através da superestimação do papel da escola, ao atribuir-lhe múltiplas funções e inúmeras responsabilidades, que são desenvolvidas através da centralidade nos projetos sociais. Os projetos executados por ONGs servem de parâmetros para atender ao mercado, bem como de base para regulação social pretendida pelo Estado. O Estado, ante a sociedade civil, afirma como "sujeitos" do processo de implementação de políticas sociais, as ONGs, empresas, as diversas associações, etc. Sobre esse fato Montaño (2002) afirma que o Estado promove o esvaziamento e transfere para os agentes da sociedade civil, já citados, as ações de conceber e executar as politicas públicas de sua alçada.
b) Atuação escolar com base no associativismo (voluntariado) para atuarem em causas pontuais, a medida que nega a atuação sindical; Cita (Enguita, 2007), ao afirmar que o acesso a informação, dentro da nova sociedade do conhecimento, como elemento socialmente segregador, que implica flexibilização curricular, definição do planos de estudos, inserção dos pais e das comunidades para maior ascensão cultural. (a autora não se declara contra inserção dos pais e das comunidades na escola).
Para afirmar "a relação entre educação e consciência de classe" a autora reafirma que: 1. Submeter a centralidade dos "processos materiais de produção", subordinado aos fundamentos da "produção das relações sociais" da existência humana.
2. Assunção do trabalho como definidor da essência humana, dado que ao agir sobre a natureza, ao alterar o meio físico, ao produzir artefatos e instrumentos de trabalho, ao realizar no âmbito social objetivações, que resultam em novas necessidades, que incorporadas subjetivamente, passam a historicamente a fazerem parte do seu ser social.
3. Vai buscar em Márkus, 1974; Duarte 2000, a afirmativa de que somos seres humanos quando incorporamos um modo de vida material, cultural e social, forjado num processo de criação e recriação de formas de produção material e simbólica de nossa existência social.
4. As crises peculiares e constantes do modo de produção capitalista são resolvidas temporariamente por "novos arranjos produtivos", permanecendo assim a hegemonia de classe;
5. As alterações no modo de regulação social vigente advém da passagem do modo de produção taylorista-fordista, para o regime de produção flexível. O primeiro exigia do sistema educativo a formação em diferentes níveis de ensino e grau de conhecimento, pré-estabelecidos; ao segundo, as novas configurações do mercado passam a exigir a formação de um trabalhador polivalente em diferentes atribuições, capaz de elevar a produção com um reduzido número de trabalhadores, visto que a terceirização, junto a contratadas, promovem a subcontratação sem garantia de direitos, produzindo alta instabilidade, baixos salários (em função da alta rotatividade da demanda por novos produtos). Essa nova escola neoliberal terá que desenvolver competências e habilidades - competência para aprender, para fazer, enfim que lhes permita viver num mundo instável em que direitos é obstáculo para o desenvolvimento das empresas.
6. Esclarece que o comprometimento das agencias internacionais com o modo de produção capitalista, demanda do sistema de ensino as necessidades impostas pelo mercado de trabalho. O discurso humanista é pura retórica para amenizar a miséria e melhor conter as tensões sociais, via atribuição de responsabilidade a sociedade civil.
7. Defende, para um futuro contexto onde haja consciência de classe a defesa de uma educação politécnica que preconize o amplo desenvolvimento das forças produtivas, de avanço tecnológico. Uma educação humana e libertária que supere as contradições centrais do modo de produção capitalista e que contribua com o processo global de transformação societal, preservando a educação formal e o caráter do ensino e do conhecimento científico-filosófico.
8. Imprescindível, diz a autora, destacando o papel do sindicato de trabalhadores da educação na busca de melhorias para a categoria, e no campo de correlação de forças, bem como do seu papel educativo na perspectiva de educação permanente, voltada aos interesses amplos da sociedade, na medida que educação e promove espaços de formação continuada da categoria.
9. Reitera a defesa de uma concepção pedagógica de educação que reconheça os processos de produção da existência humana, na dialética entre objetivação e subjetivação, em que os conceitos e classificação dos fenômenos naturais e sociais, sejam expressos em uma lógica-dialética em detrimento da aparente organização lógico-formal instrumental.
10. A adoção de um trabalho pedagógico ministrado pela lógica dialética que evidencie o papel social da escola, as atualizações históricas da humanidade, inclusão de aspectos políticos e culturais, explicitação dos embates de diferentes interesses socioeconômicos e culturais.
11. Uma pedagogia histórico-crítica, a exemplo de Saviani (1980) e Gasparin (2002), com um corpus teórico e metodológico que preserve a educação formal, priorize o trabalho, os conhecimento da área e saberes de imediato necessários aos alunos; uma base curricular que aborde os conhecimentos científicos escolares x saberes de senso comum dos alunos, através dos passos: problematização, instrumentalização e a cartase; um currículo escolar de regulação nacional e estadual definidos em fóruns coletivos de educadores.
12. Defende uma ação democrática da escola com forte vínculo com o entorno, com espaços de formação política, via participações em que haja expressão das necessidades e expectativas das pessoas; inserção de profissionais da educação com domínio dos conteúdos, capacidades política, aberto ao confronto.
Se pôde extrair da obra que:
A globalização e a financeirização do capital acirram a competição e as demandas por acumulação. O antigo modo de produção tornou-se insustentável, a medida que subsidiou a garantia o bem-estar social do trabalhador em detrimento da menor acumulação do capital.
A educação para a responsabilização individual é uma estratégia do capital para esvaziar a educação e desvirtuar e obstacularizar uma nova consciência de classe". A educação, para o capital, passa a ser a base para a desconstrução do atual modo de produção fordista e a nova base para instalação do modelo de produção flexível.
A denuncia do equívoco da colocação da "educação" como único constructo social, capaz de resolver todos os problemas na atual e complexa sociedade contemporânea. Portanto, o pseudo humanismo é um fator de condicionamento dessa inculcação e consequente condicionamento, que redunda em obstáculo que impossibilita uma consciência de classe.
A educação escola formal se esvazia mediante a incorporação de múltiplos problemas de outras instâncias, que tangenciam a educação, mais que não estão diretamente ligada a sua alçada.
Há uma prática de desconstrução da estrutura escolar atual, que visa isentar o Estado da obrigação constitucional de gerir a educação para todos. Tal processo, consiste em entregar a gestão da educação para os seus beneficiados, representados por associações e ONGs, além de obter o seu financiamento através das empresas, conjugado com trabalho intermitente de voluntários. Dessa forma, a educação escolar formal passaria a funcionar completamente voltada para suprir as demandas do capital.
Questões teórico práticas que se levantam sobre a obra lida?
1. A educação enquanto campo de atuação social para o novo modo de produção flexível, trás em sua gênese as estratégias de desconstrução e desarticulação do modo de produção anterior. Por conseguinte, quais seria as diversas táticas sociais e estruturais de combate ao novo, predatório aos direitos sociais?
2. Até que ponto o protagonismo das ONGs a serviço do capital e as associações que ora assumem o papel do Estado como executoras da educação nesse novo contexto sócio-produtivo se afastam do social?
3. A amplitude da pedagógica das competências as concebe como a capacidade de mobilizar conhecimentos, habilidades e atitudes, para equacionar, adequar e resolver situação complexas. Assim, como se estrutura esta pedagogia, na teoria e na prática, para atender ao novos reclames do novo modo de reestruturação produtiva?
Quais são as aplicações práticas que a leitura poderá possibilitar?
a) Nos permite enxergar no espaço e no tempo, o elevado grau de nossa ingenuidade social diante de uma realidade complexa, na qual estamos submetidos ao controle social e o quanto já incorporamos as teses deterministas econômicas neoliberais em nosso contexto atual. Portanto, hora de fazermos um marco situacional individual e projetarmos, sair da zona de conforto para uma ação e posterior consolidação de um novo ativismo na defesa da democracia, justiça social e anti teses liberais.
b) Qual o público indicado para leitura? Todos os cidadãos e cidadãs que estiverem dispostos a crescerem pessoal e profissionalmente, independente de cor, escolaridade, raça e credo.
c) Conclusão do autor?
A autora procede uma análise acurada dos processos de isenção (isentar) que culminam na desobrigação do Estado para com o social, no que tange a Educação Formal. Faz isso através da desconstrução de sólidas políticas anteriormente implantas e via a implantação de novas políticas neoliberais, que se processa sob a orientação dos órgãos multilaterais (Banco mundial, ONU, etc). Um dos objetivos principais é conseguir, através do esvaziamento do papel da educação formal, isentar o Estado do seu papel de principal protagonista, colocando em seus lugar ONGs e instituições que operam com recursos privados. As consequências dessas orientações pseudo humanísticas tem relação com a alienação do cidadão, que os faz perder a sua consciência de classe. O equivoco neoliberal identificado pela autora, é que os pressupostos neoliberais superestimam a educação formal, o que o torna uma miragem ou mesmo uma panaceia. E pior, passa a defender uma escola financiada com recursos públicos, além do esvaziamento curricular e foco direcionado nas necessidades do mercado, fazendo com que a gestão escolar esteja apenas voltada para as necessidades do sistema produtivo em detrimento das graves questões sociais.

R
AIMUNDO FLOR MONTEIRO
MESTRE EM EDUCAÇÃO
UFMA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

Referências:
Educação e luta de classes/Paulino José Orso, Sebastião Rodrigues Gonçalves, Valci Maria Mattos (organizadores) - - 1. ed. - -  São Paulo  : Expressão popular, 2008. 144p  :il.